segunda-feira, 18 de abril de 2022

 












William Wymark Jacobs nasceu em Wapping, Londres, Inglaterra, no dia 8 de setembro de 1863 em uma modesta família. Seu pai era gerente em um cais, por essa razão, desde criança o jovem Jacobs sentia atração por embarcações e tudo relacionado com a vida sombria do cais, fato que veio a ter grande influência em sua literatura. Embora a condição da família fosse escassa, chegou a frequentar uma escola particular em Londres.

Em 1879 tornou-se funcionário do serviço civil e de 1883 à 1899, do departamento de poupança. Suas primeiras publicações vieram em 1885 quando, por meio do anonimato, passou a enviar alguns esboços de histórias para revistas. Suas primeiras produções, embora experimentais e ingênuas, revelavam um escritor em potencial com uma carreira promissora. Autores conhecidos na época como Henry James, que veio a escrever a novela de grande sucesso Outra volta do parafuso, fez comentários fervorosos sobre os trabalhos de Jacobs.

Sua primeira coleção de contos, Many Cargoes, veio em 1896, seguida pela novela The Skipper’s Wooing de 1897 e outra coleção de contos, Sea Ouriços, de 1898. Suas novelas, Dialstone Lane, de 1904 e Sunwich Port, de 1902, estão entre os melhores trabalhos de William Jacob, sempre tendo a subclasse britânica como tema central. Mas foi a terceira dessas coletâneas, intitulada The Lady of the Barge (1902), e que trazia histórias curtas de horror, que Jacobs publica seu trabalho mais conhecido: a pata do macaco.

Sua última coleção de contos, Night Watches, foi publicada em 1914.


A pata do macaco

Curto, sucinto e direto, esse conto é uma verdadeira aula de como escrever uma excelente história de horror sem apelações. Nessa história, não encontramos fantasmas que se levantam com corpos maltrapilhos e rostos lívidos; ou seres fantásticos de origem inexplicável que chegam para atormentar a vida de pobres protagonistas impotentes. O que encontramos é uma família inglesa simples, que leva uma vida modesta, mas que tem seu cotidiano abalado pela influência de uma força desconhecida concentrada em um amuleto: uma pata de macaco.

Os acontecimentos sucedem-se de maneira comum, como em qualquer cotidiano, mas aos poucos vão ganhando uma carga de dramaticidade tão intensa que quando o leitor se dar conta já foi pego pela história.

Durante uma noite úmida, a família White recebe a visita do sargento Morris, um antigo amigo do senhor White. Segue-se um momento de conversas em que o marinheiro conta suas aventuras por outras terras, quando o anfitrião lembra de um assunto prenunciado pelo amigo viajante em um outro momento a respeito de certo amuletoMorris tenta evitar o assunto, mas ao perceber a curiosidade do filho e da esposa do amigo resolve tirar a tal pata do bolso e mostrá-la à família. O objeto chama atenção pela aparência mumificada um tanto asquerosa, ao mesmo tempo que aumenta a curiosidade do senhor White quanto à sua finalidade.

Informados de que o objeto fora preparado por um faquir que deu a ele a propriedade de conceder três desejos a quem o possuir, logo o senhor White sente uma irresistível atração pela pata mumificada, chegando mesmo a resgatá-la do fogo quando Morris a joga na lareira. O sargento o exorta para que deixe o objeto queimar, mas a curiosidade é maior e o senhor White se apossar do talismã. Vencido, ou simplesmente sem nenhuma intenção mais fervorosa de impedir a decisão do amigo, Morris apenas o aconselha a fazer pedidos sensatos.

Depois de um tempo pensando no que poderia pedir, sob as piadas divertidas tanto do filho quanto da esposa por ter decidido se apropriar de algo tão repulsivo e carregado de superstição, o senhor White resolve começar pedindo 200 libras. O pedido poderia ser atendido da maneira mais imprevisível, confundido-se mesmo com uma simples coincidência, dissera-lhe o sargento.

Alguns dias depois, chega à casa dos White a trágica notícia de que Herbert, o filho do casal, havia morrido em um acidente de trabalho. A empresa em que o rapaz trabalhava envia um funcionário para entregar à família uma indenização pela perda. O valor? Duzentas libras.

A partir desse ponto, a história fica tensa e pontuada de morbidez. Após duas semanas, a mãe desolada lembra da pata e, em completo desequilíbrio, intima o marido a fazer o seu segundo desejo, pedindo o retorno do filho de seu túmulo. O homem fica aterrorizado com a ideia da esposa, tenta dissuadi-la, mas em vão.

Aqui, William Jacobs formula a construção de seu terror psicológico, quando o autor coloca na boca do marido abalado pelo pedido da esposa as palavras sobre o filho morto: “Ele está morto há dez dias”. E ainda: “Eu só consegui reconhecê-lo pelas roupas”. Encontramos nesses ‘ganchos’ a conexão com os fatos seguintes, quando o senhor White cede aos rogos implacáveis da esposa, fazendo o pedido.

Há um momento de pura tensão após o pedido hediondo que faz o leitor sentir-se penetrado na própria história. Aparentemente, o desejo não funciona, para desolação da mãe angustiada e alívio do marido aterrorizado. Mas algo acontece quando o senhor White desce as escadas até a sala e ouve uma batida na porta que soa agourenta.

Ele retorna ao quarto onde a esposa havia voltado para a cama e, aos poucos, ela também ouve as batidas à medida que vão ficando mais fortes. Começa uma peleja desesperada em que o esposo tenta impedir a mulher ― e mãe decidida ― de abrir a porta.

A tensão aumenta ganhando uma dimensão gradativa de puro terror. As palavras do marido, dirigidas à esposa alucinada a respeito do próprio filho: “Pelo amor de Deus não deixe ‘isso’ entrar”, evidenciam toda a morbidez da situação criada pelo autor.

Em nenhum momento, entre as tentativas da mulher em abrir a porta e a busca desesperada do esposo pela pata que caíra de sua mão, a porta se abrirá, embora isso pareça iminente.

As batidas continuam insistentes do lado de fora. Alguém quer entrar. A mãe grita: “estou indo filhinho”, o marido busca pela pata no escuro do ambiente para reverter a situação com o seu terceiro e último pedido. Ele por fim a encontra, segura firme e faz o derradeiro desejo, no momento exato em que a mãe abre a porta para apenas sentir a brisa fria que invade a casa.

É difícil não perceber nesse conto certa analogia com a história de Aladim e sua lâmpada mágica. Porém, aqui, os três pedidos não são doados de graça, pois o objeto sempre os concede tirando algo do solicitante. É óbvio o tom mórbido e aterrorizante que William Jacobs imprimiu ao tão conhecido conto infantil.

O terror psicológico nessa história magistral é construído por meio de palavras-chave já citadas (“ele está morto há dez dias” e “pelo amor de Deus não deixe isso entrar”) e de insinuações como a porta que não abre para o “ser” do outro lado pedindo entrada de forma insistente. Essa fórmula apresenta um terror sem apelações, pois deixa as lacunas para serem preenchida pela imaginação do leitor.

Difícil não imaginar como o rapaz do outro lado da soleira deveria encontrar-se em aparência depois que o pai, em parágrafos anteriores, diz à esposa: “eu só o reconheci pela roupa do corpo”.

O conto já teve inúmeras adaptações tanto para o teatro quanto para produções cinematográficas, incluindo produções brasileiras. Aconselho um primeiro contato com a obra pela própria obra, uma vez que adaptações são apenas visões do adaptador, mantendo alguma coerência com a história original, mas distanciando-se de modo geral.

Uma obra para permanecer na mente do leitor por um bom tempo, devido à criatividade e maestria empreendidas por Jacobs. Se você ainda não leu, aconselho uma leitura imediata desse clássico da literatura de gênero.


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